Você já deve conhecer o poema “Amor é Fogo que arde sem se ver”, uma das mais conhecidas obras do poeta português Luís Vaz de Camões. Entre outras obras conhecidas de Camões destacam-se “Os Lusíadas”, “Alma Minha Gentil, Que Te Partiste”, e “Mudam-se Os Tempos, Mudam-se As Vontades”.
Um dos autores mais importantes da língua Portuguesa, Camões mostra exímia habilidade ao escrever sobre sentimentos e outros temas de poesia ligados à Humanidade. Por isso, é considerado um dos mais admiráveis símbolos de Portugal, sendo uma grande e importante referência a todos os países lusófonos do mundo. Sua obra foi publicada em vários países.
Uma forma de entender melhor sua grande influência na história da literatura lusófona é analisar e compreender seus poemas. A linguagem poética costuma usar de recursos de linguagem, expressões que brincam com o sentido e as formas das palavras para comunicar ideias subjetivas e passíveis de diferentes interpretações, como as metáforas ou antíteses, por exemplo.
O poema é um dos mais importantes sonetos de Camões. É também o mais famoso dos poemas de Camões sobre amor. Em forma de soneto clássico, uma das possíveis formas de poesia, consiste assim em quatro estrofes: as duas primeiras, feitas em quatro versos (quartetos), e as duas últimas, feitas em três versos (tercetos). Costuma apresentar começo, desenvolvimento e desfecho de uma ideia sobre um tema.
Quanto à métrica do poema “Amor é fogo que arde sem se ver”, esta é decassílaba, ou seja, possui dez sílabas sonoras (sílaba poética ou sílaba métrica) em cada verso. A contagem de sílabas poéticas em cada verso de um poema acaba na última sílaba tônica da linha. Cada verso corresponde a uma linha do poema e apresenta, em si, uma unidade de ideia, sentido e som. A estrutura de rimas também é clássica, seguindo a norma ABBA, ABBA, CDC, DCD.
Quanto ao tema da poesia, este é desenvolvido por meio de um sistema lógico de raciocínio, explicado por Aristóteles, chamado silogismo, que consiste em desenvolver uma ideia por meio de afirmações chamadas preposições, enunciados compostos de sujeito, verbo e atributo, podendo ou não ser verdadeiros, e que terminam em uma conclusão lógica. No poema “Amor é fogo que arde sem se ver”, as preposições aparecem nos dois quartetos e primeiro terceto. A última estrofe é a conclusão do silogismo.
Para desenvolver as preposições, o poeta Camões usa outro recurso linguístico chamado antítese, que consiste em uma figura de linguagem onde ocorre a aproximação de ideias opostas de sentido.
Outros recursos utilizados por Camões nesse poema são as dualidades e ambiguidades de sentido. As dualidades consistem em reunir duas ideias, distintas, mas não necessariamente opostas, e enquadrá-las como parte interseccional de um todo. Já a ambiguidade ocorre quando uma unidade linguística (a palavra, por exemplo) possui propriedades que a tornam passível de ter mais do que uma interpretação, mudando de acordo com sentido, estilo ou contexto.
Segue uma interpretação mais objetiva sobre o poema e a análise da letra do poema, estrofe por estrofe. Como já dito, cada estrofe corresponde a uma ideia, seu desenvolvimento e conclusão.
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
Nesse trecho, a aproximação de sentidos impossíveis, como o fogo que não se vê, a dor de ferida que não dói, a alegria triste e a dor que é sentida, sem que se sinta, mostra a natureza do que é o amor: um sentimento que nos leva a ideias controversas sem que se perca seu sentido. Aqui, há também uma ideia causal: primeiro o fogo, depois a ferida, depois a dor.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
Na segunda estrofe do poema, ainda há a aproximação de ideias opostas, mas, dessa vez, de maneira ao alcançar um “estado máximo”: “não querer mais do que”, “nunca” e “ganhar” são ideias com sentidos absolutos, que mostram a força desse sentimento.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Ainda por meio das antíteses, nessa estrofe o poeta explora um tema muito comum nas cantigas: a guerra. Aqui, de modo aproximar o Amor às tradições medievais – mas, para ele, o Amor é como um inimigo ao qual desejamos nos unir com todas as forças.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor.
Nessa estrofe conclusiva, a ideia que se exprime é exatamente a da maravilha da possibilidade de dualidades do Amor, essa dor que consegue ser tão prazerosa.
Os fãs de Legião Urbana já devem estar familiarizados com a letra da canção “Monte Castelo”, bela canção que mistura algumas ideias bíblicas com o profundo poema de Camões. Quando uma obra como a música de Legião Urbana contém dentro dela um diálogo com outras obras – nesse caso, explicitamente, por meio da citação – essa relação é chamada de intertextualidade.
Se você nunca tinha percebido a citação ao poema ao ouvir a música, acompanhe a seguir a letra completa de “Monte Castelo” para cantar junto e refletir ainda mais sobre o tema. Em destaque está a letra do poema “Amor é um fogo que arde sem se ver”:
Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja ou se envaidece
O amor é o fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer
Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria
É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É um não contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em se perder
É um estar-se preso por vontade
É servir a quem vence, o vencedor
É um ter com quem nos mata a lealdade
Tão contrário a si é o mesmo amor
Estou acordado e todos dormem
Todos dormem, todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria
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